Texto - Miguel Linhares / Foto - www.contratempo.comO problema não é de hoje, mas agudiza-se. Os bares na cidade de Angra do Heroísmo não cumprem regras e praticam os horários que mais lhes convêm, dependendo deles próprios para decidir quando se deve fechar e não seguindo o que diz a legislação e os avisos que possuem afixados nos seus estabelecimentos…quando os há!
Quem perde e sofre gravemente com tudo isto são as discotecas que, obviamente, tem um tipo de horário diferente dos bares. Enquanto os bares estão abertos desde o final da tarde, principio de noite, e tem que fechar pelas 00:00, 02:00, as discotecas abrem portas ás 00:00 ou 01:00 para fecharem pelas 06:00, ou seja um horário pós-bares, digamos assim. Ora, quando os bares fecham pelas 04:30 – por vezes 05:00 – claro que as pessoas já não vão ás discotecas, que por vezes – elas próprias – acabam por fechar depois da hora, pois os clientes já chegam tarde com intenções de ficar mais tempo. Como afirmam os responsáveis pelas discotecas angrenses, Twin´s Club e Wolf Disco, “Existe um desencontro entre as autoridades e os gerentes da maior parte dos bares, pelo que estes praticam horários que não estão autorizados para tal.”. Claro que as discotecas também tem empregados, que querem e devem sair a horas do seu emprego, mas tal por vezes não é possível, pois enquanto passam uma noite inteira à espera dos clientes, estes acabam por chegar quase no fim dos seus horários, ou seja quase de manhã, o que implica prolongar o serviço. Consequentemente, as discotecas como recebem os clientes quase na hora do fecho, acabam por ultrapassar por vezes os seus próprios horários! “Os cafés não tem horários, os bares também não tem horários, consequentemente as pessoas saem cada vez mais tarde de casa e as discotecas no meio de tudo isto é que sofrem.”, afirma um dos responsáveis. Complementam: “Acabamos, muitas vezes, por fazer só uma hora, ou pouco mais, de serviço, porque temos obrigatoriamente que fechar ás 06:00.”. O problema dos clientes saírem cada vez mais tarde, em parte, é culpa dos gerentes da noite, pois “são eles que educam o cliente. Se os espaços ficam abertos até mais tarde, o cliente sai mais tarde de casa e fica até mais tarde no bar ou no café, porque sabe à partida que estes não lhes vão colocar na rua devido ao cumprimento de horários e que vão estar abertos até ás quatro ou cinco da manhã.”, continuam.
Este é um problema com barbas na cidade de Angra do Heroísmo, mas complicou-se com a abertura dos bares no Porto de Pipas no início deste verão. Muita gente frequenta o recinto, os bares – à imagem de outros – praticam horários “de discoteca” e não existe controlo. Os proprietários das discotecas Wolf e Twin´s já contactaram as autoridades, mas sem resultados até à data. “No caso do Porto de Pipas a Polícia Marítima e a PSP não tem competências naquela área, a competência de fiscalização, pelo que nos dizem, pertence à Administração de Portos da Terceira e Graciosa (APTG), que entretanto, aparentemente, tem fechado um pouco os olhos à situação, pois são eles que acabam por alugar os espaços no recinto e esses mesmos espaços tem que rentabilizar.”, diz-nos um dos empresários.
Então que resposta dá a APTG aos responsáveis das discotecas, quando confrontada com a questão? “Dizem-nos que vão resolver a situação, mas até agora nada, já passou o verão e nós é que ficámos prejudicados!”, completa. Parece que não existe um método de trabalho, que se faça cumprir horários nos bares, mas no caso deles, quando prolongam os horários, pelas razões já evocadas, raras são as vezes em que não são avisados pelas autoridades para fecharem. Tudo isto cria um sentimento de revolta.
Um caso que parece estar um pouco à parte desta polémica, na opinião destes empresários, são as esplanadas de Angra, pois “estas acabam sempre por fechar mais ou menos a horas, pela experiência que temos dos últimos verões. Os restantes bares – na maioria – é que não cumprem!”. O caso do Porto de Pipas é o mais actual e, provavelmente, o mais crítico. “O Porto de Pipas parece-me ser a “terra de ninguém”. Ninguém assume as responsabilidades de fiscalização do recinto. Nem a PSP, nem a Policia Marítima, nem a GNR…a APTG não tem fiscais para ás 4 da manhã ir fiscalizar o Porto Pipas e a Inspecção Regional das Actividades Económicas também não nos apresenta soluções. Se calhar deveria haver uma colaboração entre estes e uma força de segurança que fiscalizasse situações como estas!”.
Contactámos o administrador da APTG, Luís Dutra, que confirma a autoridade portuária e, consequentemente, responsabilidade sob o espaço do Porto de Pipas. “Todos os espaços da APTG, como o é o Porto de Pipas, são de nossa responsabilidade e não o negamos ou desvalorizamos, mas no que concerne ao cumprimento de horários dos bares naquele espaço existem entidades que podem responder a essa questão com mais conhecimento de causa.”. Uma dessas entidades é a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, quem passa as licenças e possui fiscais para controlo, mas até à finalização desta reportagem não foi possível contactar alguém que pudesse responder a esta matéria.
Quanto à PSP de Angra do Heroísmo, na pessoa do Coordenador da Unidade Operacional de Angra do Heroísmo, o Comandante Fernando Prata, foi-nos explicado que a PSP tem acorrido a alguns espaços nocturnos, quando esta é chamada devido a problemas de ordem pública ou ruído e, nalguns casos, acabam por intervir na fiscalização. Autuam os recintos prevaricadores e direccionam as situações para as entidades competentes para seguimento do processo. No caso específico do Porto de Pipas “a competência para fiscalizar estabelecimentos de bebidas, como diz o Decreto de Lei nº 234/2007, cabe à Inspecção Regional das Actividades Económicas. No entanto, a PSP quando é chamada ao Porto de Pipas, por qualquer outra razão, acaba por colaborar nesse sentido, não deixando esse vazio.”, remata.
Os responsáveis das discotecas em Angra sentem-se discriminados, não só pela falta de acção por parte de quem de direito, mas porque, por exemplo, na Praia da Vitória nada disto se passa, visto os bares fecharem todos a horas. “Não deve haver nenhum bar na cidade da Praia que se prolongue pela noite dentro, depois das 02:00. “Tudo é cumprido, se existe fiscalização ou não, não sabemos, mas que a legislação é cumprida, isso sabemos!”. Obviamente que nestes casos, se um bar fecha a horas, as pessoas tem que ir para outro lugar, o que, naturalmente em muitos casos, passa pelas discotecas que tem um horário de funcionamento dessa hora até ás 06:00. Daí a tal questão da educação que é dada pelos empresários da noite aos clientes.
A nível financeiro, as discotecas de Angra estão a sofrer com essas situações. A Twin´s Club, aberta à 28 anos na ilha Terceira, tem-se ressentido com tudo isto e, por exemplo, já tem fechado ás quartas-feiras, pois não compensa e os clientes chegavam lá já quase à hora do fecho, pelas 05:00. “Os nossos empregados também tem as suas famílias, querem sair do serviço a horas e querem ir para casa. Do modo como as coisas tem funcionado a casa não opera como devia e não factura como devia. Até porque tudo isto é muito enganador, pois as pessoas julgam que vão pagar mais pelas bebidas numa discoteca, mas os preços entre bares e discotecas estão muito semelhantes e a diferença é mínima.”, realça o responsável por esta casa nocturna. Abrir a porta de uma discoteca, implica muitos mais custos do que abrir a porta de um bar, daí o prejuízo ser ainda maior! No caso da Wolf, existente na ilha à 4 anos e, sob a actual gerência à 1 ano, a perca tem sido maior, “pois a casa não se encontra no centro da cidade e ressente-se mais com a situação”. Só tem estado aberta ao sábado e vai fazer um esforço para abrir à sexta-feira, com outras actividades, mas como desabafa o seu responsável “os custos de uma discoteca são muito superiores aos de um bar. Nós, por exemplo, somos obrigados a ter seguranças com formação e estarmos ligados a uma empresa de segurança que está ligada ao Ministério da Administração Interna. Ora, isto é só um exemplo de custos que um bar não tem e nós temos. Se não respeitam os horários, sobrepõem-se aos nossos e nós perdemos clientes.”.
Outra situação que mencionam é o facto de a PSP também criar um certo clima de medo entre os clientes da noite, com “as sucessivas operações Stop e verdadeira caça à multa.”. Continuam: “Achamos que a PSP devia ter uma intervenção mais pedagógica e menos repressiva. As estatísticas não devem mentir e a maior parte dos acidentes nesta ilha não são provocados ás saídas das discotecas e/ou bares, nem à noite!”. Ou seja, acham que deve-se manter a ordem e o controlo nas estradas, mas estacionar e fazer operações Stop à porta dos estabelecimentos não é o método acertado. “Tudo isto só provoca medo nos clientes e hoje em dia já não temos o conceito de noite que havia há uns anos atrás devido a isso.”, desabafam.
No fundo o que estes empresários pretendem é que se cumpra as regras. “Todos nós queremos ganhar a vida e ter sucesso nos nossos negócios, mas é preciso cumprir as leis e respeitar os outros. Senão entramos num efeito “bola de neve” e isto torna-se anárquico!”, finalizam. Muitos são os sábados que as discotecas abrem e nem facturam o suficiente para pagar a despesa fixa que a casa tem só por abrir a porta. Isto poderá levar os negócios à ruptura e no entender destes empresários “é preciso que as pessoas digam se querem ou não discotecas, para sabermos o que andamos aqui a fazer!”.“Se o meu vizinho do lado não cumpre as regras, porque hei-de ser eu a cumprir se estou a ser prejudicado?!”, deixam a pergunta no ar…
in jornal "A União", 5 de Outubro, 2007