Texto - Miguel Linhares
Música: parte integrante da cultura, se bem que muitas vezes ostracizada, ignorada por uma grande parte de valores da sociedade, ora puritanos, ora meros analfabetos culturais, senhores “feudais” que regulamentam o mundo à sua volta de modo a alimentar todas as ego (excentricidades) que lhes enfeitam o topete. Não mais que um escasso ataque de raiva consigo sentir quando penso que sou encarado muitas vezes como um casual portador de ignomínia perante alguns destes senhores, por ser contemplado pela irreverência, audácia e diferença, por ser um apreciador de música, de quase todo o tipo de música, embora com uma paixão inexplicável e incontrolável pelo Rock. De nada serviram – desculpa Pai por não me ter tornado num Shubert – as aulas de piano e de formação musical no Conservatório Regional de Angra do Heroísmo. Foram cinco anos meio perdidos, embora em tenra idade tenham me dado uma visão sobre este mundo tão vasto… aprendi, em parte, a absorver variadas sonoridades sempre com um pouco de mais argúcia do que se o fizesse sozinho em casa, entre muitas cassetes de fita castanha e um velho rádio comprado na Base Americana, em “mil novecentos e troca o passo”, pelo meu Pai, e oferecido à minha mãe. Ora, até hoje estou a aprender a ouvir música e estou constantemente a aprender, porque o Rock tem muito que se lhe diga e não se baseia em batuco e coçar guitarras! Se é culturalmente aceite ir ao teatro apreciar uma qualquer adaptação de um clássico, ir ao cinema ver filmes a preto e branco e falados em francês, passar por uma galeria de arte e entrar com um ar de intelectual, coçando o queixo e ficar a olhar sete minutos e meio para uma panóplia de cores em tela assinado pelo Marc Chagall, também presumo que deveria ser aceite ir a um concerto de Rock e ficar duas horas a olhar para quatro ou cinco indivíduos de roupa preta! Não…?! Então eles, na sua maioria, ganham mais do que qualquer deputado pode sonhar, mesmo acumulando reformas e ordenados de deputado e com a vantagem de não terem de mentir!!! Só tem de atirar a uma plateia o que lhes vai na alma e dar o som que os tais senhores não percebem porque não vem em nenhum manual ou enciclopédia. Mais, não é necessário andar a posar uma gravata sebenta, nem uns sapatos que além de ficar mal, causam dor nos pés. Ironicamente estou a entrar no caminho que eles utilizam para se desviarem de nós. Estou a falaciar sobre algo que critico. Pois, também eu cometo erros… mas admito que a única maneira para haver solidariedade, amizade e compreensão é vestirmos a pele dos outros e tentar compreende-la, nada mais simples! Assim, poderemos não apreciar o que os outros fazem, mas entendemos e até nos poderemos rir sobre o facto de um dia termos sido umas bestas-quadradas que na realidade só viam o seu mundo, quando o dos outros sempre foi parte integrante do nosso. Assim é a cultura…
in revista "Art&Manhas", Nº 0, inverno de 2005
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