quarta-feira, dezembro 13, 2006

Em memória de Fernando M. Linhares

Texto – Miguel Linhares / Foto - Gabinete do Ministro da República / Legenda - General Rocha Vieira e Fernando Linhares, nos seus últimos dias.

A morte não deixa de ser algo maravilhoso devido ao seu mistério, mas doloroso para os que ficam neste mundo e perdem alguém que amam incondicionalmente. No dia que se recebe a notícia da morte de alguém que admiramos e amamos, sentimos um vazio corrosivo, abstraímo-nos da realidade, pensamos no passado e sentimos saudades do que poderia ser o futuro. Quem já passou por uma situação semelhante, saberá explicar, à sua maneira, e corrobora o que digo.
Eu tenho um desses dias, daqueles que não consigo esquecer, que me persegue à 15 anos. No dia 13 de Dezembro (sexta-feira, ironicamente) de 1991 morreu Fernando Linhares aos 64 anos, deixando por cá uma esposa e dois filhos, um com 27 e um com 13, eu. O único ganha-pão de uma família, abandonava-a involuntariamente ás mãos de uma doença que – principalmente naquela altura – era muito pouco simpática para as suas vítimas; cancro. 32 anos de casamento que só foram quebrados por este triste capricho da natureza, apesar de ser uma pessoa de bons hábitos e sem vícios!
Nascido a 9 de Março de 1927 na freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo, este foi um homem que devido à dificuldade financeira da família começou a trabalhar cedo e, claro, os estudos não eram de todo uma prioridade naquele tempo. Completou a antiga 4ª classe mais tarde, aprendendo, assim, a ler e escrever. Entre os vários empregos que teve, nenhum lhe ofereceu a satisfação que pretendia, pelo que mais tarde tornou-se empregado sindical, obtendo daí, mais algum gozo no que fazia. Muito antes disso já cultivava-se incessantemente, devorando tudo o que eram livros, criando uma consciência política e social acutilante e alimentando uma cultura geral que se tornou o seu grande marco. Apesar de não ser militante de nenhum partido político, era, assumidamente, um homem de esquerda! Admirava homens como Álvaro Cunhal, Ernesto “Che” Guevara, Jean Paul Satre, Lenine ou Karl Marx. A música clássica era a sua paixão, Vivaldi o eleito! Coleccionou toda a sua vida objectos antigos e tinha uma biblioteca considerável, mas acima de tudo, muito selectiva. Não era contra as religiões, mas sim contra as igrejas. Respeitava as ideologias, mas desprezava as instituições. Considerava-se agnóstico, sabia a bíblia quase de cor e conhecia mais algumas religiões, mas dizia que “para se acreditar em Deus, não é preciso ter uma religião”. Complementava: “Cada um acredita em Deus à sua maneira.”. Nunca virava costas a uma discussão ou troca de ideias! Ganhava quase sempre, por ter mais argumentos e sabedoria. Só lhe faltavam os diplomas que a falta de dinheiro e tempo nunca permitiram. O conhecimento estava lá, era a sua arma! Circunstâncias da vida…
Exímio crítico e cronista escreveu para vários títulos como o “Diário Insular”, “A União” e o já extinto “Directo”. Era muito acutilante e frontal a escrever. Tinha um sonho, ser jornalista, mas, mais uma vez, a vida não o permitiu. Por muitas vezes com um papel activo na política e na defesa dos mais desfavorecidos, deixou muitos mais amigos neste mundo do que os inimigos que tiveram a triste ideia de o serem. As suas fortes palavras e o seu rosto quase sempre sério infligiam respeito e sobriedade. Como alguns ex-colegas dizem, era um revolucionário, um activista, um curioso, autodidacta, imensamente culto e persistente. Amante da natureza e fascinado pelo espaço e pela ciência. As suas palavras – que não teve oportunidade de deixar escritas em livro – foram o maior legado que deixou, numa ilha em que só certos “senhores” e “cunhas” primavam por aparecer. Foi contra estes “senhores” e “cunhas” que lutou toda a sua vida, com mais ênfase durante a segunda metade do Estado Novo, mas tomando maiores proporções a partir da madrugada de 25 de Abril de 1974, em que teve um papel activo. Alguns Senhores – aqui sem aspas – tornaram-se grandes amigos dele, parceiros de conversas e teorias e admiradores da sua forte personalidade. Sentimento que retribuía!
Marido extremoso, pai rígido, perfeccionista, mas dedicado, amigo de eleição e cidadão cumpridor. Era contra o capitalismo em todas as suas formas. Embora tivesse ideologias utópicas, a sua boa vontade levava-lhe a crer que um mundo melhor era possível, sem a exploração do homem pelo homem. Tinha vários hobbies e interesses que levou, sempre dentro do possível, avante na sua vida. Deixou viagens por fazer e cidades por conhecer. Rematou fielmente as suas convicções que defendeu até ao fim. Não tentava convencer, mas chegar à verdade. Deixou o mundo com muito ainda para dar.
Passados estes anos todos é esta a homenagem pública que deixo. Não foram rezadas missas no dia, não foram feitas missas de 7º dia nem nada que se pareça. Um dos últimos pedidos foi esse, nada de padres nem similares. Cumpriu-se! Entre toda a dor que senti de ter perdido um pai, um amigo, um professor, um ídolo, deixo aqui a minha manifestação de reconhecimento a um dos homens mais nobres que conheci até hoje.
Que o Hades tenha sido a sua próxima morada…

in jornal "A União", 13 de Dezembro, 2006

2 comentários:

Unknown disse...

Meu pai faleceu com a mesma idade e por motivo da mesma doença e com a mesma idade e tendencias esquerdistas tb Alvaro Cunhal era o seu idolo politico e nao e que estavam certos pelo estado da politica capitalista actual provou-se que o capitalismo nao funciona ,
deixo aqui a minha cincera homenagem aos nossos pais e a todos aqueles que lutam por um mundo mais justo ,Grande Miguel um abraço KIT

Luminance disse...

Grandes palavras joe!Força bastanta